terça-feira, 28 de junho de 2011

A questão da legalização ou de alternativas para realmente se coibir o uso de drogas: assunto sempre presente na mídia. E aqui abre-se o debate!


PEGA LEVE

Há três anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se juntou a personalidades como os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, e aos escritores Paulo Coelho e Mario Vargas Lllosa na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Passou a defender a descriminalização do consumo de entorpecentes. E transformou sua "saga" no filme "Quebrando o Tabu", de Fernando Andrade, que estreia na sexta, 3. Visitou 18 cidades da América Latina, EUA e Europa, foi a bares que vendem maconha, viu pessoas se drogarem nas ruas.
Claramente, qual é a sua posição sobre as drogas?
Eu sou a favor da descriminalização de todas as drogas.
Cocaína, heroína?
Todas, todas. Uma droga leve, tomada todo dia, faz mal. E uma droga pesada, tomada eventualmente, faz menos mal. Essa distinção é enganosa. Agora, quando eu digo descriminalizar, eu defendo que o consumo não seja mais considerado um crime, que o usuário não passe mais pela polícia, pelo Judiciário e pela cadeia. Mas a sociedade pode manter penas que induzam a pessoa a sair das drogas, frequentando o hospital durante um período, por exemplo, ou fazendo trabalho comunitário. Descriminalizar não é despenalizar. Nem legalizar, dar o direito de se consumir drogas.
Os manifestantes da Marcha da Maconha, por exemplo, defendem a legalização, o direito de cada um fumar ou não o seu baseado.
Eles defendem não só a legalização, como dizem: "Não faz mal". Eu não digo isso, porque ela faz mal. Agora, não adianta botar o usuário na cadeia. Você vai condená-lo, estigmatizá-lo. E não resolve. O usuário contumaz é um doente. Precisa de tratamento e não de cadeia.
Legalizar aqui pode significar realmente você alastrar enormemente o uso de drogas, de uma maneira descontrolada. Na Holanda, eles não tentam levar ninguém ao tratamento. Na cultura brasileira, funcionaria mais o modelo adotado por Portugal. Eles descriminalizaram todas as drogas e deram imenso acesso ao tratamento. E como você não tem medo de ir para a cadeia, você procura o hospital. Eles fazem inclusive uma audiência de aconselhamento com o usuário. Portugal está hoje entre os países com a menor expansão do consumo de drogas na Europa Ocidental. Agora, eles combatem o tráfico.


Os críticos da descriminalização dizem que uma droga leva a outras mais pesadas.
Vamos falar sem hipocrisia: o acesso à maconha é fácil no Brasil. E o elo entre a droga leve e a droga pesada é o traficante. Se você não tem acesso regulado, vai para o traficante. E ele te leva da maconha para outras drogas.
E como seria esse acesso?
Em vários estados americanos, na Europa, há liberdade de produção em pequena quantidade, doméstica. Cada país tem que encontrar o seu caminho. Outra coisa: em alguns países da Europa, o governo fornece a droga para o dependente, para evitar o tráfico. Na Holanda, não é permitido se drogar na rua. Você tem locais específicos. Isso poderia acontecer no Brasil. Em SP, na cracolândia, o pessoal se droga na rua, à vontade. É melhor se drogar na rua ou ter um local específico? Isso não é liberar, é tratar como saúde pública.
Uma parte da sociedade vai ser sempre contra, mas não estamos defendendo coisas irresponsáveis. A droga faz mal, eu sou contra o uso da droga, tem que fazer campanha para reduzir o consumo. Agora, a guerra contra ela fracassou. Tá aumentando o consumo, tá tendo um resultado negativo, tá danificando as pessoas e a sociedade.
(Folha de S. Paulo – 29/5/11)


O debate das drogas



A discussão sobre a descriminalização das drogas e a legalização da maconha não é nova, mas ganha espaço. Isso decorre da percepção crescente de que a abordagem puramente repressiva do problema fracassou. Apesar de alguns juízes, que preferem ver apologia ao crime no direito à livre manifestação, o debate é saudável e mesmo necessário, porque a questão é bastante complexa.
"Descriminalizar" e "legalizar" são coisas distintas. Quando Fernando Henrique Cardoso defende a descriminalização das drogas -de todas-, quer dizer que o usuário não deve ser tratado como criminoso, mas como alguém a ser esclarecido e, eventualmente, medicado. Na entrevista a Mônica Bergamo, FHC lembrou o exemplo de Portugal: a descriminalização foi acompanhada por uma política de amplo acesso ao tratamento, sem, no entanto, que o governo abdicasse de combater o tráfico.Legalizar é diferente. Significa permitir a produção, a venda e o consumo daquela substância, mesmo que sob certas condições. Devemos sonhar, como na canção de Chico Buarque, com um mundo onde "maconha só se comprava na tabacaria, drogas, na drogaria"? Especialistas respeitáveis contrários à legalização argumentam que a facilitação do acesso fatalmente aumentaria o consumo. E citam o exemplo do alcoolismo. Transferir o problema da esfera criminal para a da saúde pública não é, pois, uma saída mágica, sem subprodutos negativos. O ganho estaria na ruptura do elo entre o baseado e o tráfico, talvez o maior fator de desagregação social e violência extrema nas grandes cidades.Há drogas mais ou menos nocivas, mas nenhuma deixa de fazer mal. À luz das experiências ruinosas da guerra ao tráfico, tendo a pensar que a descriminalização de todas elas e a legalização do uso regulado da maconha apontaria para uma maneira menos hipócrita, mais humana e a médio prazo mais eficaz de lidar com o problema.
FERNANDO DE BARROS E SILVA – Folha de S. Paulo – 21/5/11


Por unanimidade, STF aprova a realização da Marcha da Maconha

O STF (Supremo Tribunal Federal) liberou a realização da Marcha da Maconha, evento que reúne, em diversas cidades brasileiras, pessoas favoráveis à legalização da droga.
Por unanimidade, os ministros afirmaram que a Justiça brasileira não pode interpretar o artigo 287 do Código Penal, que criminaliza a apologia de "fato criminoso [o uso da droga] ou de autor de crime [o usuário]", para proibir a realização de eventos públicos que defendem a legalização ou regulamentação da maconha.
Segundo o tribunal, quem defende a descriminalização da maconha está exercendo os direitos à liberdade de reunião e expressão, previstos na Constituição Federal.
Em um longo voto, o relator do caso, ministro Celso de Mello, afirmou que a livre expressão e o exercício de reunião "são duas das mais importantes liberdades públicas". "A polícia não tem o direito de intervir em manifestações pacíficas. Apenas vigiá-las para até mesmo garantir sua realização. Longe dos abusos que têm sido impetrados, e os fatos são notórios, a Polícia deve adotar medidas de proteção", disse.
Ao defender a liberdade de expressão, o relator avaliou que a exposição de novas ideias podem ser "transformadoras, subversivas, mobilizadoras". "Ideias podem ser tão majestosas e sólidas, quanto são as mais belas catedrais. Ideias podem ser mais poderosas que a própria espada. E é por isso que as ideias são tão temidas pelos regimes de força".
(FELIPE SELIGMAN / NÁDIA GUERLENDA CABRAL – Folha de S. Paulo – 15/6/11)

Tema polêmico



AO DISCUTIR os problemas que dizem respeito a todos nós, não o faço por arrogância, mas para tentar entendê-los, suscitar a discussão ampla, já que os discuto comigo mesmo.
Um desses problemas são as drogas, que, a cada dia, se torna mais agudo, provocando debates e tentativas de solução os mais diversos e polêmica.
Vejo com apreensão pessoas e instituições responsáveis defenderem a descriminação dessas drogas, de todas ou das chamadas drogas leves, como a maconha. A experiência que tenho -eu e muita gente- indica que a droga leve é, quase sempre, a etapa inicial que conduz às drogas pesadas.
Os defensores da descriminação usam de um argumento que considero sofismático: alegam que defendem o fim da repressão ao tráfico de drogas porque a experiência demonstrou sua inoperância, isto é, a repressão não impediu o crescimento do tráfico e o aumento do consumo de drogas.
Veja bem: o aparelho judicial e a polícia foram criados para reprimir o crime e defender a sociedade; não obstante, após séculos de existência, não conseguiram acabar com a criminalidade que, pelo contrário, cresceu. Devemos, por isso, não mais prender e punir os criminosos? Claro que não. Não há como extinguir definitivamente a criminalidade, mas deixar de combatê-la é a pior das opções. Ninguém, em sã consciência, defenderá essa tese.
Do mesmo modo, acabar com a repressão ao tráfico e ao consumo de drogas seria render-se aos criminosos e entregar as pessoas (particularmente os jovens) a consequências desastrosas. Basta pensar: que autoridade teria um pai de família para aconselhar o filho a não consumir drogas, se o próprio governo as legalizar e as permitir?
Quando, pela primeira vez, ouvi falar da necessidade de descriminar as drogas, lembrei-me de que a cocaína não é produzida aqui, vem de países vizinhos, onde seu uso é proibido. Como vender legalmente uma mercadoria que entrou ilegalmente no país? A opção inevitável será, sem dúvida, o plantio, no Brasil, da coca, em larga escala. Deixaríamos de plantar feijão e arroz para cultivar um produto bem mais lucrativo.
Talvez por isso, passou-se a falar na legalização mundial das drogas. Essa gente delira, mesmo sem cheirar cocaína. Alguém acredita que Fernandinho Beira-Mar, que ganha milhões de reais com a venda ilegal de drogas, vai passar a pagar Imposto de Renda e ICMS? Ignoram que alguns dos maiores contrabandos que existem no Brasil são de pedras preciosas e de cigarros, que não têm sua comercialização proibida.
Mas há outro ponto também discutível, que é legalizar o consumo de drogas. Acreditam que o consumidor é um doente, que deve ser tratado e não castigado.
Será verdade que todo consumidor de drogas é um doente? Aposto que não. Os maiores consumidores de cocaína e drogas sintéticas não são viciados patológicos e, sim, consumidores que utilizam as drogas socialmente.
Não há o cara que bebe socialmente e não é alcoólatra? Assim como a maioria dos que consumem bebidas alcoólicas não é constituída de alcoólatras, há muita gente que ganha bem, goza de prestígio social como empresário ou artista, e consome maconha, cocaína, ecstasy, promove festas para, divertidamente, drogar-se, ele e sua patota. Compra drogas de vendedores qualificados, que não precisam subir o morro. Alguém acredita que os milhões de reais que as drogas rendem ao tráfico saem do bolso dos favelados ou do garotão viciado, filhinho de papai, que paga o traficante roubando da família?
A legalização do consumo de drogas só servirá para estimular um número maior de pessoas, socialmente bem situadas, a se tornarem alegres consumidores delas. Oferecer tratamento ao viciado está certo, mas como, se a nova política de saúde -a tal "psiquiatria democrática"- não possibilita internações?
E pense nisto: o tráfico sobreviveria se, de repente, ninguém mais usasse drogas? Um exemplo hipotético: se as pessoas deixassem de consumir carne, a produção e o comércio de carne sobreviveriam? Todos sabemos que nenhuma mercadoria subsiste sem comprador.
É um contrassenso, portanto, pretender acabar com o tráfico de drogas liberando o consumo. Essa liberação, sem dúvida alguma, multiplicaria por milhões o número de consumidores e fortaleceria ainda mais o tráfico.

( FERREIRA GULLAR – Folha de S. Paulo - 29/11/09 )

A guerra às drogas é uma guerra contra pessoas

A “guerra às drogas” fracassou. A resposta militar e penal ao problema do uso de algumas drogas não incide sobre o consumo nem ajuda no tratamento do abuso no uso de psicoativos. Além de tudo, traz consigo uma série de outros gravíssimos problemas: violência do crime e do Estado, corrupção, criminalização da pobreza. Assim, abre-se cada vez mais a disputa por alternativas a esse falido modelo, que criminaliza uma conduta – posse de certas drogas – e, portanto pessoas..
O sucesso das políticas europeias pautadas por estratégias de redução de danos levou a que diversos países começassem a reformar suas políticas de criminalização das drogas. Portugal, Espanha e Itália não criminalizam posse de drogas para consumo pessoal, solução seguida em 2009 também por México, Argentina e República Tcheca. No Brasil, o debate lentamente tem ganhado maior repercussão, inclusive com a presença de figuras conservadoras defendendo outra maneira de lidar com a questão.
Segundo Cristiano Maronna, advogado e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), houve “grande avanço” na penetração deste debate na sociedade nos últimos anos, “na medida em que hoje se discute mais ou menos abertamente a necessidade de mudar o rumo da política de drogas”. “Há ainda muita resistência, o discurso alarmista e catastrofista ainda intoxica a discussão”, salienta Maronna, “mas é inegável que hoje a informação é mais abundante. Há mais espaço para a busca de alternativas fora da proibição.
( Júlio Delmanto. Caros Amigos, n. 158, maio de 2010)


Legalizar as drogas não é a solução



É de conhecimento geral que a proibição de drogas ilícitas vem alimentando o narcotráfico no Brasil, gerando, assim, milhares de mortes todo ano nos conflitos entre polícia e traficantes. Entretanto, seria um atraso para a sociedade considerar a legalização das drogas como solução aos problemas da violência nos centros urbanos, visto que essa medida poderá acarretar riscos à segurança e saúde pública.


É inegável o fato de que a liberação das drogas faria surgir novos usuários, principalmente os mais jovens, que se veriam livres para experimentar tais substâncias. Sendo assim, é de certo modo, contraditória a legalização do uso de drogas - causadoras de doenças crônicas - uma vez que o governo investe em programas de combate a mesma. O principal argumento dos favoráveis à legalização é que, com isso, ocorreria uma diminuição considerável dos níveis de violência. Porém, visto que a sociedade sofre com os acidentes e a violência causados pelo consumo de bebidas alcoólicas, os riscos aumentariam drasticamente com os efeitos do uso das drogas, sobretudo as mais pesadas, como o crack.
Desse modo, o governo não pode resolver os problemas da sociedade substituindo-os por outros. Portanto, o que o Brasil precisa com mais urgência é o aperfeiçoamento de programas de combate às drogas - conscientizando a população de seus efeitos - e, principalmente, uma maior assistência aos usuários e ex-usuários, assim como às suas famílias.

"A maioria dos que usam maconha justifica seu uso dizendo que ela faz menos mal que álcool e cigarro. Não há por que fazer comparações, saber qual é a pior ou a menos má. O casamento com a maconha é sempre destrutivo. A droga tem uma substância química chamada ácido delta-9-tetraidrocanabinol (THC), que lentamente mina as capacidades intelectuais: compromete a atenção, a concentração e a memória. Produz uma apatia que não é própria da adolescência. O jovem prefere ficar sozinho a estar com amigos não-usuários. Mas o usuário vive se iludindo em dizer "que fuma porque quer e pára quando quiser."[Içami Tiba, psiquiatra, terapeuta e escritor, no livro "Juventude e Drogas: Anjos Caídos". São Paulo: Integrare, 2007].


"Vigora no país uma lei que vale só para alguns.(...). Se você é pobre e é pego com maconha, vai preso. Se é rico, é possível que a polícia nem o incomode, para evitar problemas - vai que você é filho de alguém importante. Ou, quem sabe, um subornozinho livre sua cara. Se você é grande traficante, fique sossegado. Se é pequeno traficante, ai, ai, ai. Se o delegado está de bom humor, você é usuário; se está de mau humor, é traficante - tão vaga é a tipificação dos crimes. E, se você quiser discutir o assunto a sério, é acusado de incitar um crime. Em resumo, a lei, do jeito que está, não funciona.[Soninha Francine, depois de sua demissão da TV Cultura, em 2001, por ter assumido que fumava maconha]


"Desde primeiro de julho de 2008, é proibido fumar cigarros em bares, cafés e restaurantes. Quer dizer, fumar cigarro comum, de tabaco. Consumir maconha e haxixe continua podendo. (...) As drogas são vendidas e consumidas na quantidade máxima de 5 gramas por pessoa, nos cerca de 750 cafés da Holanda (metade em Amsterdã). Esses estabelecimentos são beneficiados pela chamada gedoogbeleid, a política de tolerância do Ministério da Justiça em relação às chamadas drogas leves. [Revista VEJA. Edição de 9/7/2008]


“No Estado e na cidade de São Paulo, há um conjunto de ações que principiam a mostrar caminhos concretos para uma implantação de políticas públicas sobre drogas.Isso inclui a ampliação de ambulatórios especializados, leitos para tratamento de casos mais graves, empresas públicas com programas de prevenção e tratamento, medidas para reduzir o tabagismo, repressão ao tráfico, ações como o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) e o departamento de prevenção do Denarc e ações integradas no centro de São Paulo com os moradores em situação de rua. Vale lembrar que a questão das drogas é um problema de todos nós, e não somente de um setor da sociedade; além disso, a busca e a execução dos atos resolutivos será conseguida tratando o problema como multifacetado que ele é!Vamos aplicar o já sabido, buscar novas alternativas de conduta, repetir modelos já testados e aprovados, mas sempre com abertura de diálogo sereno, respeitoso e que busque o consenso da sociedade.”
( LUIZ ALBERTO CHAVES DE OLIVEIRA é coordenador de Políticas sobre Drogas do Estado de São Paulo. ELOISA DE SOUSA ARRUDA é secretária da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de SP.)


Maconha: hora de legalizar?

Fumar maconha em casa e na rua deveria ser legal? Legal no sentido de lícito e aceito socialmente, como álcool e tabaco? O debate sobre a legalização do uso pessoal da maconha não é novo. Mas mudaram seus defensores. Agora, não são hippies nem pop stars. São três ex-presidentes latino-americanos, de cabelos brancos e ex-professores universitários, que encabeçam uma comissão de 17 especialistas e personalidades: o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, de 77 anos, e os economistas César Gaviria, da Colômbia, de 61 anos, e Ernesto Zedillo, do México, de 57 anos. Eles propõem que a política mundial de drogas seja revista. Começando pela maconha. Fumada em cigarros, conhecidos como “baseados”, ou inalada com cachimbos ou narguilés, a maconha é um entorpecente produzido a partir das plantas da espécie Cannabis sativa, cuja substância psicoativa – aquela que, na gíria, “dá barato” – se chama cientificamente tetraidrocanabinol, ou THC.
Na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, reunida na semana passada no Rio de Janeiro, ninguém exalta as virtudes da erva, a não ser suas propriedades terapêuticas para uso medicinal. Os danos à saúde são reconhecidos. As conclusões da comissão seguem a lógica fria dos números e do mercado. Gastam-se bilhões de dólares por ano, mata-se, prende-se, mas o tráfico se sofistica, cria poderes paralelos e se infiltra na polícia e na política. O consumo aumenta em todas as classes sociais. Desde 1998, quando a ONU levantou sua bandeira de “um mundo livre de drogas” – hoje considerada ingenuidade ou equívoco –, mais que triplicou o consumo de maconha e cocaína na América Latina.
Em março, uma reunião ministerial na Áustria discutirá a política de combate às drogas na última década. Espera-se que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, modifique a posição conservadora histórica dos Estados Unidos. A questão racial pode influir, já que, na população carcerária americana, há seis vezes mais negros que brancos. Os EUA gastam US$ 35 bilhões por ano na repressão e, em pouco mais de 30 anos, o número de presos por envolvimento com drogas decuplicou: de 50 mil, passou a meio milhão. A cada quatro prisões no país, uma tem relação com drogas. No site da Casa Branca, Obama se dispõe a apoiar a distribuição gratuita de seringas para proteger os viciados de contaminação por aids. Alguns países já adotam essa política de “redução de danos”, mas, para os EUA, o cumprimento dessa promessa da campanha eleitoral representa uma mudança significativa.
A Colômbia, sede de cartéis do narcotráfico, foi nos últimos anos um laboratório da política de repressão. O ex-presidente Gaviria afirmou, no Rio, que seu país fez de tudo, tentou tudo, até violou direitos humanos na busca de acabar com o tráfico. Mesmo com a extradição ou o extermínio de poderosos chefões, mesmo com o investimento de US$ 6 bilhões dos Estados Unidos no Plano Colômbia, a área de cultivo de coca na região andina permanece com 200 mil hectares. “Não houve efeito no tráfico para os EUA”, diz Gaviria.
Há 200 milhões de usuários regulares de drogas no mundo. Desses, 160 milhões fumam maconha. A erva é antiga – seus registros na China datam de 2723 a.C. –, mas apenas em 1960 a ONU recomendou sua proibição em todo o mundo. O mercado global de drogas ilegais é estimado em US$ 322 bilhões. Está nas mãos de cartéis ou de quadrilhas de bandidos. Outras drogas, como o tabaco e o álcool, matam bem mais que a maconha, mas são lícitas. Seus fabricantes pagam impostos altíssimos. O comércio é regulado e controla-se a qualidade. Crescem entre estudiosos duas convicções. Primeira: fracassou a política de proibição e repressão policial às drogas. Segunda: somente a autorregulação, com base em prevenção e campanhas de saúde pública, pode reduzir o consumo de substâncias que alteram a consciência. Liderada pelos ex-presidentes, a comissão defende a descriminalização do uso pessoal da maconha em todos os países. “Temos de começar por algum lugar”, diz FHC. “A maconha, além de ser a droga menos danosa ao organismo, é a mais consumida. Seria leviano incluir drogas mais pesadas, como a cocaína, nessa proposta(Revista Época – fevereiro de 2009)